Em agosto de 2024, adquiri o livro Medo Imortal, publicado pela Darkside Books, que reúne histórias sobrenaturais de autores vinculados à Academia Brasileira de Letras. Cada conto é introduzido por uma breve biografia do autor, e foi assim que tive meu primeiro contato com João do Rio. Em outubro de 2024, a BBB News Brasil lançou uma excelente reportagem sobre ele, intitulada: "Por que a obra de João do Rio, apesar de sua enorme popularidade, caiu no esquecimento?".
João do Rio era um autor tão conhecido em sua época que, segundo a reportagem, “estima-se que cerca de 100 mil pessoas participaram de seu enterro no cemitério São João Batista, em Botafogo.” Entre as possíveis razões para o esquecimento de sua obra, apontadas por fãs, estão o fato de ele não ter deixado herdeiros para preservar seu legado, o gênero de suas crônicas ser menos valorizado, e a ausência de sua obra nos livros didáticos e nas aulas de literatura, que são as principais vias de introdução à leitura no Brasil.
Aprofundando minha pesquisa, encontrei um artigo da Biblioteca Pública do Paraná intitulado "Afinal, João do Rio era racista?". Nele, a pesquisadora Juliana Farias analisa crônicas do autor publicadas na Gazeta de Notícias entre 1904 e 1905. As observações detalhadas de Farias mostram associações frequentes que João do Rio faz entre raça e criminalidade, além de uma visão negativa das religiões de matriz africana, carregada de estereótipos.
Apesar de sabermos que avaliar obras passadas com os valores do século XXI é complexo, considero fundamental reconhecer e confrontar esses elementos racistas na obra de João do Rio, algo que, segundo o portal Alma Preta, esteve ausente na 22ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty, que ocorreu de 9 a 13 de outubro de 2024 no Rio de Janeiro. Sua obra "Alma Encantadora das Ruas", publicada em 1908 e recém-incluída entre os livros mais vendidos após a homenagem na FLIP, oferece uma visão marcada pelo preconceito sobre as diferentes classes sociais cariocas.
Cláudia Alexandre, em artigo para o Alma Preta, comenta: "A ausência de debates específicos sobre racismo e racismo religioso na obra do autor, aliada ao sucesso de vendas, permite questionar como, em pleno século XXI, narrativas que nada contribuem para as pautas contemporâneas ainda podem circular livremente após um evento literário tão relevante."
Essa reflexão nos leva a considerar a importância de reconhecer as limitações e os problemas históricos nas obras de autores consagrados, mesmo em contextos de homenagem e celebração.
Fontes: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cp3w85d5xdjo.amp
https://www.bpp.pr.gov.br/Candido/Noticia/PENSATA-Afinal-Joao-do-Rio-era-racista
https://www.bpp.pr.gov.br/Candido/Noticia/PENSATA-Afinal-Joao-do-Rio-era-racista
https://www.literaturabrasileira.ufsc.br/documentos/?action=download&id=140688
https://almapreta.com.br/sessao/quilombo/flip-paraty-coloca-joao-do-rio-entre-os-mais-vendidos-e-nao-debate-racismo-nas-obras-do-autor/
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